terça-feira, 4 de novembro de 2014

ARTIGO: O INSTITUTO DA DECADÊNCIA E OS ATOS INDEFERITÓRIOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS: Princípio da Segurança Jurídica x Garantias Fundamentais




O INSTITUTO DA DECADÊNCIA E OS ATOS INDEFERITÓRIOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS: Princípio da Segurança Jurídica x Garantias Fundamentais

 *Por Joeslany Melo

Sob a égide de uma Constituição Cidadã e caracterizada por sua rigidez, a legislação brasileira encontra limites para a proteção de algumas matérias, quais sejam a forma federativa do Estado, o voto secreto, universal e periódico, a tripartição dos Poderes e os Direitos e Garantias Individuais.

Os direitos sociais, nos quais estão inseridas à Previdência e à Assistência Social – objetos do presente artigo, encontram-se elencados no artigo 6º da Lei Maior, inserindo-se nos direitos e garantias individuais e, consequentemente, possuindo maior rigor na sua proteção.

Para a interpretação e aplicação da Constituição Federal, faz-se necessária a existência de normais infraconstitucionais que regulamentem a matéria, dando diretrizes para assegurar os direitos Maiores sem jamais contrariá-los.

Em matéria previdenciária, essa regulamentação se dá por meio de leis, decretos, súmulas e entendimentos jurisprudenciais construídos na TNU, STJ e no próprio STF, porém sempre sob o crivo constitucional.

Nesse norte, importa ressaltar um entendimento que foi construído em torno do instituto da decadência a partir da má interpretação dada a MP 1523/97, convertida na Lei 9.528/97, que alterou o art. 103 da Lei 8.213/91 que hoje está assim redigido:

Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.” (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)

Com texto ambíguo, por muito tempo, esse dispositivo motivou uma forte discussão jurídica: uns entendiam que o prazo decadencial de dez anos se aplicava para a revisão de benefícios deferidos e indeferidos, outros, que se aplicavam apenas aos benefícios concedidos, tudo em razão da interpretação dada a expressão “do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”.

Os defensores da primeira corrente acreditam que a referida expressão refere-se ao indeferimento do benefício, o que permitiria que o instituto da decadência incidisse sobre os benefícios concedidos e indeferidos, garantindo assim o princípio constitucionalmente previsto da segurança jurídica. Com fulcro no brocardo jurídico que diz dormientibus non sucurrit jus” (o direito não socorre aquele que dorme), aduzem que a existência de um lapso temporal para o exercício do direito é uma maneira de disciplinar a conduta social, agindo o tempo como vetor de estabilidade das relações jurídicas o que marca a prevalência da segurança jurídica sobre a justiça.

Nesse mesmo norte, a Turma Nacional de Uniformização publicou, em 23.08.2012, a seguinte súmula:

Súm. 64. O direito à revisão do ato de indeferimento de benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo decadencial de dez anos.

 Já os patronos da segunda tese acreditam que a expressão refere-se ao indeferimento do pedido de revisão de um benefício já concedido, pois entendem que não há que se falar em aplicação da decadência sobre direitos fundamentais constitucionalmente previstos como são os direitos sociais.

Diante da acirrada discussão, a matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal que, através do julgamento do RE 626.489, interposto pelo INSS, reconheceu a repercussão geral da matéria e entendeu pela prevalência dos direitos fundamentais sobre o princípio da segurança jurídica.

Partindo da premissa de que o direito à previdência e assistência social são garantias fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988, pois, conforme destacou o ministro Luiz Roberto Barroso, relator do processo, “se assenta nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade e nos valores sociais do trabalho, bem como nos objetivos da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária, avançar na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais”, o prazo decadencial introduzido pela Lei 9.528/97 atinge tão somente a pretensão de revisar o benefício já concedido.

Vejamos trecho da ementa do voto do Ministro Barroso no RE 626.489/SE:

1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.

Assim, pela própria natureza do direito previdenciário, temos que, preenchidos os requisitos autorizadores da concessão de um benefício, o mesmo pode ser concedido a qualquer tempo, independente de quando foi o indeferimento administrativo, haja vista a inexistência de prazo para o exercício de direito fundamental.

Nesse sentir, vejamos trecho do julgado do TRF da 4ª Região que aplicou o recente entendimento esposado pelo STF:

A decadência previdenciária, ao contrário do que ocorre com a prescrição, atinge o próprio 'fundo de direito', isto é, uma vez decorrido o prazo legalmente previsto impede o próprio reconhecimento do direito, vedando assim também qualquer produção de efeitos financeiros. 2. Todavia, é preciso que se frise que seu objeto, até mesmo em face dos princípios da hipossuficiência e da protetividade dos segurados, é bastante limitado, atingindo exclusivamente a revisão do ato de concessão de benefício. 3. Não há decadência do direito ao benefício, ou seja, do direito à revisão do ato administrativo de indeferimento do benefício, já que o dispositivo legal determina a sua incidência quando em discussão revisão de ato concessório, isto é, benefício já em manutenção. 4. O segurado pode, a qualquer tempo, requerer, judicial ou administrativamente, benefício cujo direito tenha sido adquirido há bem mais de 10 anos e tenha sido indeferido na via administrativa. 5. Cuidando-se de prestações de natureza continuada apenas as cotas devidas no quinquênio anterior à propositura da ação é que são alcançadas pela prescrição. Súmula n.º 85 do STJ.
(TRF-4 - APELREEX: 225912620134049999 PR 0022591-26.2013.404.9999, Relator: JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 02/04/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 11/04/2014)

Sendo assim, não há que se falar em decadência do direito de pleitear, mas, somente, na prescrição das prestações anteriores a cinco anos do ajuizamento da ação, conforme disposto na súmula 85 do STJ.

No entanto, em respeito ao princípio da segurança jurídica e à manutenção do equilíbrio atuarial e financeiro do Regime Geral de Previdência Social, faz-se necessário a fixação de um prazo decadencial que deve ser aplicado para limitar a discussão sobre a repercussão econômica de benefício já concedido, pois como sustentou o ministro “é desse equilíbrio que depende a continuidade da própria Previdência, não apenas para a geração atual, mas para as que se seguirão”.

Desta feita, há ainda de se observar que, diante da manifestação da Suprema Corte e da supremacia da norma constitucional, alguns posicionamentos deverão ser revistos, inclusive a retrocitada súmula da TNU que determina a aplicação de prazo decadencial nos casos de indeferimento de benefícios previdenciários e assistenciais.

O entendimento da Turma Nacional de Uniformização encontra-se ultrapassado e contradiz o posicionamento da Suprema Corte, o que pode e deve ensejar o cancelamento da referida súmula, sob a pena da sua aplicação ferir entendimento superior na hierarquia das normas.

Sendo assim, por tudo o que foi exposto, resta claro que, no que tange aos atos de indeferimento de benefícios previdenciários, a decadência é instituto que não deve ser aplicado, haja vista do direito à previdência e assistência social, elevado à Carta Magna à condição de direito fundamental, não se submete a limites temporais, podendo ser requerido a qualquer tempo, eis que se constitui no exercício de direito fundamental.

*Joeslany Melo é advogada MARCOS INÁCIO ADVOCACIA.

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