quinta-feira, 27 de outubro de 2016

STF considera inviável recálculo de aposentadoria por desaposentação sem previsão em lei

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão nesta quarta-feira (26), considerou inviável o recálculo do valor da aposentadoria por meio da chamada desaposentação. Por maioria de votos, os ministros entenderam que apenas por meio de lei é possível fixar critérios para que os benefícios sejam recalculados com base em novas contribuições decorrentes da permanência ou volta do trabalhador ao mercado de trabalho após concessão da aposentadoria. A tese a ser fixada para efeito da repercussão geral deverá ser votada no início da sessão plenária desta quinta-feira (27).
Foram julgados sobre o tema os Recursos Extraordinários (RE) 381367, de relatoria do ministro Marco Aurélio, 661256, com repercussão geral, e 827833, ambos de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

Prevaleceu o entendimento do ministro Dias Toffoli, apresentado na sessão de 29 de outubro de 2014. Ele afirmou que, embora não exista vedação constitucional expressa à desaposentação, também não há previsão desse direito. O ministro Toffoli salientou que a Constituição Federal dispõe de forma clara e específica que compete à legislação ordinária estabelecer as hipóteses em que as contribuições previdenciárias repercutem diretamente no valor dos benefícios, como é o caso da desaposentação, que possibilitaria a obtenção de benefício de maior valor a partir de contribuições recolhidas após a concessão da aposentadoria. Na ocasião, foi acompanhado pelo ministro Teori Zavascki.

Ministra Rosa Weber

O julgamento foi retomado na sessão desta quarta-feira com o voto-vista da ministra Rosa Weber, que seguiu o entendimento do relator do Recurso Extraordinário (RE) 661256, ministro Luís Roberto Barroso, de que a legislação é omissa no que diz respeito à desaposentação. Na visão da ministra, não existe proibição legal expressa a que um aposentado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que tenha continuado a trabalhar obtenha novo benefício, com base nas novas contribuições.
A ministra observou que a filiação à previdência social é um vínculo jurídico que gera direitos e obrigações recíprocas e as novas contribuições vertidas pelo aposentado, por sua continuidade ou retorno ao mercado de trabalho, devem ser consideradas para cálculo de novo benefício. “Não identifico no artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991, vedação expressa à desaposentação, considerada a finalidade de, a partir do cômputo de novo período aquisitivo, obter mensalidade de aposentadoria de valor maior” afirmou.

Ministro Edson Fachin

O ministro Edson Fachin acompanhou a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli, dando provimento ao RE 661256 por entender que o STF não pode suplantar a atuação legislativa na proteção aos riscos previdenciários. Em seu entendimento, cabe ao legislador, ponderando sobre o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS, dispor sobre a possibilidade de revisão de cálculo de benefício de aposentadoria já concedido em razão de contribuições posteriores.
O ministro Fachin destacou que a Constituição Federal consagra o princípio da solidariedade e estabelece que a Seguridade Social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta. Ressaltou que o legislador constitucional, ao tratar da previdência social, dispôs que especificamente sobre os riscos que devem estar cobertos pelo RGPS, mas atribuiu ao legislador infraconstitucional a responsabilidade de fixar regras e critérios a serem observados para a concessão dos benefícios previdenciários.

Ministro Luís Roberto Barroso

Relator do RE 661256, o ministro Luís Roberto Barroso reafirmou o voto proferido por ele em outubro de 2014 quando deu provimento parcial ao recurso no sentido de considerar válido o instituto da desaposentação. Na sessão de hoje, ele aplicou a mesma conclusão ao RE 381367, de relatoria do ministro Marco Aurélio. Quanto ao Recurso Extraordinário 827833, o ministro Barroso reajustou o voto para negar provimento, ao entender que não há possibilidade de acumulação de duas aposentadorias pelo RGPS.

Ministro Luiz Fux

Para o ministro Luiz Fux, o instituto da desaposentação desvirtua a aposentadoria proporcional. “No meu modo de ver, trata-se de expediente absolutamente incompatível com o desiderato do constituinte reformador que, com a edição da Emenda Constitucional 20/1998, deixou claro seu intento de incentivar a postergação das aposentadorias”, disse o ministro ao ressaltar que a contribuição de uma pessoa serve para ajudar toda a sociedade. Segundo ele, a obrigatoriedade visa preservar o atual sistema da seguridade e busca reforçar a ideia de solidariedade e moralidade pública, entre outras concepções. Dessa forma, o ministro Luiz Fux deu provimento aos Recursos Extraordinários (REs) 661256 e 827833 e negou provimento ao RE 381367.

Ministro Ricardo Lewandowski 

O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou a corrente vencida que reconheceu o direito do segurado à desaposentação. Segundo ele, diante da crise econômica pela qual passa o país, não é raro que o segurado da previdência se veja obrigado a retornar ao mercado de trabalho para complementar sua renda para sustentar a família. Para o ministro é legalmente possível ao segurado que retorna ao mercado de trabalho renunciar à sua primeira aposentadoria para obter uma nova aposentadoria mais vantajosa.  “A aposentadoria, a meu ver, constitui um direito patrimonial, de caráter disponível, pelo que se mostra legítimo, segundo penso, o ato de renúncia unilateral ao benefício, que não depende de anuência do estado, no caso o INSS”, concluiu.

Ministro Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes votou no sentido de negar o direito à desaposentação por entender que, se o segurado se aposenta precocemente e retorna ao mercado de trabalho por ato voluntário, não pode pretender a revisão do benefício, impondo um ônus ao sistema previdenciário, custeado pela coletividade. Para o ministro o artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991, não deixa dúvida quanto à vedação da desaposentação no âmbito do ordenamento previdenciário brasileiro. “O dispositivo é explícito ao restringir as prestações da Previdência Social, na hipótese dos autos, ao salário-família e à reabilitação profissional”, afirmou. Da mesma forma, segundo ele, o Decreto 3.048 é “cristalino” quanto à  irreversibilidade e à irrenunciabilidade da aposentadoria por tempo de contribuição.
“Não se verifica, portanto, uma omissão normativa em relação ao tema em apreço. As normas existem e são expressas na vedação à renúncia da aposentadoria de modo a viabilizar a concessão de outro benefício com o cálculo majorado”, disse o ministro, acrescentando que o conteúdo das normas está em consonância com preceitos adotados no sistema constitucional de Previdência Social, especificamente os princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial da seguridade social. O ministro citou dados da Advocacia Geral da União de que um eventual reconhecimento do direito à desaposentação pelo STF teria impacto de R$ 1 bilhão por mês aos cofres da Previdência Social. Para ele, se a matéria deve ser revista, isso cabe ao Congresso Nacional, com base nos parâmetros que a Constituição Federal determina, e não ao Poder Judiciário.

Ministro Marco Aurélio

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio manteve sua posição já proferida como relator do RE 381367, favorável à possibilidade de desaposentação, assegurado ainda ao contribuinte o direito ao recálculo dos proventos da aposentadoria após o período de retorno à atividade, adotando a mesma posição nos demais recursos.

Ministro Celso de Mello

O ministro Celso de Mello relembrou no início de seu voto a histórica afirmação pelo STF, em seus julgados sobre o Regime Geral da Previdência Social, dos postulados da solidariedade, universalidade, equidade e do equilíbrio financeiro e orçamentário. O parágrafo 5º do artigo 195 da Constituição estabelece a necessidade de existência de fonte de custeio para a criação ou ampliação de benefício, explicitando o princípio do equilíbrio atuarial.
A alteração introduzida em 1997 na Lei 8.213/1991 previu explicitamente que o aposentado que permanecer em atividade não faz jus a prestação da previdência, exceto salário família e reabilitação profissional. Isso revelou a intenção do legislador, que deixou de autorizar um direito que poderia ser entendido pelo beneficiário como estabelecido. A lacuna antes existente na legislação quanto ao tema não implicaria, nesse caso, a existência do direito. “Esse tema se submete ao âmbito da própria reserva de parlamento, que deve estar subordinada ao domínio normativo da lei”, afirmou.

Ministra Cármen Lúcia

Em seu voto, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia adotou a posição segundo a qual não há fundamento na legislação que justifique o direito à desaposentação. “Me parece que não há ausência de lei, embora essa seja matéria que possa ser alterada e tratada devidamente pelo legislador”. A Lei 8.213/1991 trata da matéria, e o tema já foi projeto de lei, portanto, para a ministra, não houve ausência de tratamento da lei, apenas o tratamento não ocorreu na forma pretendida pelos beneficiários. Os preceitos legais adotados, por sua vez, são condizentes com os princípios da solidariedade e com a regra do equilíbrio atuarial.

Resultados

Ao final, o Plenário, por maioria, negou provimento ao RE 381367, vencidos o ministro Marco Aurélio (relator), que o provia, e, em menor extensão, os ministros Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski, que o proviam parcialmente.
No RE 661256, com repercussão geral, o Plenário deu provimento ao recurso, por maioria, vencidos, em parte, os ministros Luís Roberto Barroso (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
Por fim, o RE 827833 foi provido, por maioria, vencidos a ministra Rosa Weber, o ministro Luís Roberto Barroso, que reajustou o voto, e os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso.
Fonte: www.stf.jus.br

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Descabimento de prévio requerimento administrativo como condicionante à judicialização do seguro DPVAT



A justiça federal em todo o Brasil por muitos anos discutiu a necessidade ou não do prévio requerimento administrativo para fins de obtenção dos benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, o RGPS, administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Somente ao final do ano de 2014 o STF pôs fim à celeuma, ao julgar o Recurso Extraordinário 631.240, de relatoria do Min. Luís Roberto Barroso, confirmando a necessidade de se buscar inicialmente a administração pública e, somente após a resposta desta (ou da ausência de resposta no prazo legal), é que nasce o interesse de agir, abrindo a via judicial para o interessado:   

“Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria.”

(trecho do Voto do Relator, Min. Luís Roberto Barroso. RE 631.240).

                    Em linhas gerais, prevaleceu o entendimento de que a procura direta à Justiça, por parte do beneficiário do INSS, caracterizaria uma invasão indevida das atribuições do Poder Executivo por parte do Poder Judiciário, tornando este um “balcão” do INSS. Outro argumento utilizado foi a de que, apesar de todas as falhas e carências da instância administrativa, esta é gratuita e prestada por servidores especializados, fornecendo respostas em média mais rápidas. 
                                       
Dessa forma, por entender ser indispensável à caracterização da lide a pretensão resistida, entendeu a Suprema Corte que deve haver o prévio requerimento administrativo como condicionante ao ajuizamento da pretensão junto ao Poder Judiciário. Entendimento, portanto, pacificado.


     Ocorre que referida decisão do STF vem sendo utilizada por advogados e pela grande maioria dos Juízes e Desembargadores para indeferir pedidos judiciais de pagamento do seguro DPVAT, ao fundamento de que deve-se buscar inicialmente a esfera administrativa e, somente após resposta desta (ou demora na apreciação) estaria caracterizada a pretensão resistida.

     Entendemos que a mencionada decisão do Supremo no RE 631.240 não se aplica ao seguro DPVAT. Vejamos os motivos.

A decisão do Supremo fixou a tese da exigência do prévio requerimento administrativo para benefícios previdenciários, administrados pelo Instituto Nacional do Seguro Social, que estão inseridos dentro de um arcabouço normativo próprio (Lei 8.213/91, Decreto 3.048/99, Instrução Normativa INSS nº. 77/2015 e Lei 9.784/99), que contém regras claras sobre o procedimento administrativo de concessão e indeferimento de benefícios.

Já as reguladoras e seguradoras que administram o seguro DPVAT (Seguradora Líder S/A), não estão sujeitas às leis federais que regulam o processo administrativo. Elas seguem, apenas, a Lei Federal que trata do seguro DPVAT (Lei 6.194/74), que é omissa quanto ao processamento administrativo do requerimento do seguro.

Às seguradoras/reguladoras, portanto, cabem processar, indeferir ou deferir o seguro ao seu bel prazer, muitas vezes sem procedimento padrão próprio e sem uma decisão “administrativa” fundamentada. Não existe na seara do seguro DPVAT, como no processo administrativo previdenciário, uma “carta de indeferimento” por exemplo, indicando os motivos pelos quais o pedido não foi aceito. 

O processo administrativo de concessão de benefícios previdenciários, junto ao INSS, possui imensa diferença com o procedimento do seguro DPVAT, e com ele não pode ser comparado.

Ainda no âmbito previdenciário, as pessoas que atendem à população que busca benefícios previdenciários são servidores federais concursados, cujos atos estão vinculados à estrita legalidade. Há formulários próprios, procedimentos e documentos padronizados, que garantem ao interessado um comprovante de que realizou o pedido. Inclusive, quando algum pedido de concessão de benefício é indeferido, a autarquia previdenciária encaminha à residência do interessado uma decisão, fundamentada, através da já mencionada “carta de indeferimento”.

No âmbito do seguro DPVAT, ao contrário, não há regramento claro acerca do processo administrativo, cujos atendentes não são servidores públicos e não estão vinculados a normativo próprio, a não ser o que dispõe a própria lei federal que disciplina o seguro DPVAT (Lei 6.194/74). Se o seguro DPVAT é indeferido, a comunicação é dada verbalmente ao interessado, pois não há, por exemplo, uma “carta de indeferimento”, tal qual como ocorre no INSS nem outro documento que o substitua. Quando muito, ao interessado é fornecido apenas um “número de sinistro”, para consulta posterior ao site, porque nem sempre alguma comunicação chega pelos correios.

Dada a essa particularidade, aliada à precariedade estrutural e normativa que ronda o seguro DPVAT, não pode e não deve ser exigido do cidadão o prévio requerimento administrativo nesses casos.

A tese jurídica encampada pelo STF deve valer apenas para a concessão de benefícios previdenciários, não se aplicando ao seguro DPVAT, com o qual não guarda a mínima similaridade.

Não há, aqui, “invasão” do Poder Judiciário na esfera de atuação do Poder Executivo, uma vez que o seguro DPVAT não é administrado por ente público, mas sim por um ente privado (Sociedade Anônima). Esta não se submete, por exemplo, à lei do processo administrativo (Lei 9.784/99), que estabelece diversos direitos e garantias aos administrados.

Outro aspecto de fundamental importância é que sequer há previsão de “recurso administrativo” no âmbito do seguro DPVAT. Já no âmbito do INSS, são previstos pelo menos dois recursos administrativos: um recurso ordinário às Juntas de Recursos do INSS, que desafia decisão da agência do INSS, e um “recurso especial”, uma “terceira instância” administrativa, que dá a palavra final ao segurado. Inclusive, a composição dos órgãos colegiados da Previdência é tripartite, composta por representantes do Governo, dos trabalhadores e das empresas, o que dá uma certa paridade de armas ao segurado (Instrução Normativa INSS/Pres nº. 77/2015). 


Esse quadro organizado e bem definido da realidade administrativa previdenciária não se vê na esfera do seguro DPVAT. Muitos abusos e ilegalidades são cometidas nesta seara “administrativa”, justamente devida a uma ausência de regulamento próprio, o que, inclusive, favorecem as fraudes.

Embora o STF já tenha julgado caso semelhante no RE 839.314 (relator Min. Luiz Fux), onde se aplicou a mesma tese dos benefícios previdenciários ao seguro DPVAT, entendemos que a questão ainda não foi enfrentada pelo prisma aqui esposado, de modo que a Suprema Corte poderá e deverá enfrentar o tema num futuro próximo para que realmente seja feita justiça para com os acidentados no trânsito, facilitando o recebimento – inclusive judicial – do referido seguro, independentemente de prévio requerimento “administrativo”.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

PARA STF, RECONHECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE PRESCINDE DE RECONHECIMENTO JUDICIAL DE UNIÃO ESTÁVEL

Na última terça-feira (03/05/2016) a 1ª Turma do Supremo reconheceu o direito de uma companheira a receber pensão por morte de servidor, que era casado, porém, separado de fato.
          
Esta decisão, prolatada no MS 33008, contraria o entendimento do Tribunal de Contas da União – TCU, e até mesmo de outros órgãos da administração pública que exigem que a pessoa comprove a situação de fato através de reconhecimento judicial da união estável.

O Ministro Barroso afirmou que: “O artigo 1.723 do Código Civil prevê que a união estável configura-se pela ‘convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” e que “Trata-se, portanto, de situação de fato que prescinde de reconhecimento judicial para produzir efeitos, tanto que eventual ação terá conteúdo meramente declaratório. Basta, assim, que seja comprovada, no caso concreto, a convivência  

Noutro giro, é importante esclarecer que isso não quer dizer que todo(a) companheiro(a) de pessoa casada terá direito à pensão; é necessário que a relação marital não exista mais, que esta última já tenha terminado de fato, para que o companheiro(a) faça jus ao benefício.
 
A decisão em comento não altera a posição anterior do STF que negou uma pensão à concubina, isto é, quando reconheceu que houve concomitância entre o casamento e a união estável (duas uniões paralelas), ocasião em que se decidiu não ser devida a pensão à convivente (RE 397762).      

Com informações do STF: www.stf.jus.br