segunda-feira, 23 de maio de 2016

Descabimento de prévio requerimento administrativo como condicionante à judicialização do seguro DPVAT



A justiça federal em todo o Brasil por muitos anos discutiu a necessidade ou não do prévio requerimento administrativo para fins de obtenção dos benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, o RGPS, administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Somente ao final do ano de 2014 o STF pôs fim à celeuma, ao julgar o Recurso Extraordinário 631.240, de relatoria do Min. Luís Roberto Barroso, confirmando a necessidade de se buscar inicialmente a administração pública e, somente após a resposta desta (ou da ausência de resposta no prazo legal), é que nasce o interesse de agir, abrindo a via judicial para o interessado:   

“Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria.”

(trecho do Voto do Relator, Min. Luís Roberto Barroso. RE 631.240).

                    Em linhas gerais, prevaleceu o entendimento de que a procura direta à Justiça, por parte do beneficiário do INSS, caracterizaria uma invasão indevida das atribuições do Poder Executivo por parte do Poder Judiciário, tornando este um “balcão” do INSS. Outro argumento utilizado foi a de que, apesar de todas as falhas e carências da instância administrativa, esta é gratuita e prestada por servidores especializados, fornecendo respostas em média mais rápidas. 
                                       
Dessa forma, por entender ser indispensável à caracterização da lide a pretensão resistida, entendeu a Suprema Corte que deve haver o prévio requerimento administrativo como condicionante ao ajuizamento da pretensão junto ao Poder Judiciário. Entendimento, portanto, pacificado.


     Ocorre que referida decisão do STF vem sendo utilizada por advogados e pela grande maioria dos Juízes e Desembargadores para indeferir pedidos judiciais de pagamento do seguro DPVAT, ao fundamento de que deve-se buscar inicialmente a esfera administrativa e, somente após resposta desta (ou demora na apreciação) estaria caracterizada a pretensão resistida.

     Entendemos que a mencionada decisão do Supremo no RE 631.240 não se aplica ao seguro DPVAT. Vejamos os motivos.

A decisão do Supremo fixou a tese da exigência do prévio requerimento administrativo para benefícios previdenciários, administrados pelo Instituto Nacional do Seguro Social, que estão inseridos dentro de um arcabouço normativo próprio (Lei 8.213/91, Decreto 3.048/99, Instrução Normativa INSS nº. 77/2015 e Lei 9.784/99), que contém regras claras sobre o procedimento administrativo de concessão e indeferimento de benefícios.

Já as reguladoras e seguradoras que administram o seguro DPVAT (Seguradora Líder S/A), não estão sujeitas às leis federais que regulam o processo administrativo. Elas seguem, apenas, a Lei Federal que trata do seguro DPVAT (Lei 6.194/74), que é omissa quanto ao processamento administrativo do requerimento do seguro.

Às seguradoras/reguladoras, portanto, cabem processar, indeferir ou deferir o seguro ao seu bel prazer, muitas vezes sem procedimento padrão próprio e sem uma decisão “administrativa” fundamentada. Não existe na seara do seguro DPVAT, como no processo administrativo previdenciário, uma “carta de indeferimento” por exemplo, indicando os motivos pelos quais o pedido não foi aceito. 

O processo administrativo de concessão de benefícios previdenciários, junto ao INSS, possui imensa diferença com o procedimento do seguro DPVAT, e com ele não pode ser comparado.

Ainda no âmbito previdenciário, as pessoas que atendem à população que busca benefícios previdenciários são servidores federais concursados, cujos atos estão vinculados à estrita legalidade. Há formulários próprios, procedimentos e documentos padronizados, que garantem ao interessado um comprovante de que realizou o pedido. Inclusive, quando algum pedido de concessão de benefício é indeferido, a autarquia previdenciária encaminha à residência do interessado uma decisão, fundamentada, através da já mencionada “carta de indeferimento”.

No âmbito do seguro DPVAT, ao contrário, não há regramento claro acerca do processo administrativo, cujos atendentes não são servidores públicos e não estão vinculados a normativo próprio, a não ser o que dispõe a própria lei federal que disciplina o seguro DPVAT (Lei 6.194/74). Se o seguro DPVAT é indeferido, a comunicação é dada verbalmente ao interessado, pois não há, por exemplo, uma “carta de indeferimento”, tal qual como ocorre no INSS nem outro documento que o substitua. Quando muito, ao interessado é fornecido apenas um “número de sinistro”, para consulta posterior ao site, porque nem sempre alguma comunicação chega pelos correios.

Dada a essa particularidade, aliada à precariedade estrutural e normativa que ronda o seguro DPVAT, não pode e não deve ser exigido do cidadão o prévio requerimento administrativo nesses casos.

A tese jurídica encampada pelo STF deve valer apenas para a concessão de benefícios previdenciários, não se aplicando ao seguro DPVAT, com o qual não guarda a mínima similaridade.

Não há, aqui, “invasão” do Poder Judiciário na esfera de atuação do Poder Executivo, uma vez que o seguro DPVAT não é administrado por ente público, mas sim por um ente privado (Sociedade Anônima). Esta não se submete, por exemplo, à lei do processo administrativo (Lei 9.784/99), que estabelece diversos direitos e garantias aos administrados.

Outro aspecto de fundamental importância é que sequer há previsão de “recurso administrativo” no âmbito do seguro DPVAT. Já no âmbito do INSS, são previstos pelo menos dois recursos administrativos: um recurso ordinário às Juntas de Recursos do INSS, que desafia decisão da agência do INSS, e um “recurso especial”, uma “terceira instância” administrativa, que dá a palavra final ao segurado. Inclusive, a composição dos órgãos colegiados da Previdência é tripartite, composta por representantes do Governo, dos trabalhadores e das empresas, o que dá uma certa paridade de armas ao segurado (Instrução Normativa INSS/Pres nº. 77/2015). 


Esse quadro organizado e bem definido da realidade administrativa previdenciária não se vê na esfera do seguro DPVAT. Muitos abusos e ilegalidades são cometidas nesta seara “administrativa”, justamente devida a uma ausência de regulamento próprio, o que, inclusive, favorecem as fraudes.

Embora o STF já tenha julgado caso semelhante no RE 839.314 (relator Min. Luiz Fux), onde se aplicou a mesma tese dos benefícios previdenciários ao seguro DPVAT, entendemos que a questão ainda não foi enfrentada pelo prisma aqui esposado, de modo que a Suprema Corte poderá e deverá enfrentar o tema num futuro próximo para que realmente seja feita justiça para com os acidentados no trânsito, facilitando o recebimento – inclusive judicial – do referido seguro, independentemente de prévio requerimento “administrativo”.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

PARA STF, RECONHECIMENTO DE PENSÃO POR MORTE PRESCINDE DE RECONHECIMENTO JUDICIAL DE UNIÃO ESTÁVEL

Na última terça-feira (03/05/2016) a 1ª Turma do Supremo reconheceu o direito de uma companheira a receber pensão por morte de servidor, que era casado, porém, separado de fato.
          
Esta decisão, prolatada no MS 33008, contraria o entendimento do Tribunal de Contas da União – TCU, e até mesmo de outros órgãos da administração pública que exigem que a pessoa comprove a situação de fato através de reconhecimento judicial da união estável.

O Ministro Barroso afirmou que: “O artigo 1.723 do Código Civil prevê que a união estável configura-se pela ‘convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” e que “Trata-se, portanto, de situação de fato que prescinde de reconhecimento judicial para produzir efeitos, tanto que eventual ação terá conteúdo meramente declaratório. Basta, assim, que seja comprovada, no caso concreto, a convivência  

Noutro giro, é importante esclarecer que isso não quer dizer que todo(a) companheiro(a) de pessoa casada terá direito à pensão; é necessário que a relação marital não exista mais, que esta última já tenha terminado de fato, para que o companheiro(a) faça jus ao benefício.
 
A decisão em comento não altera a posição anterior do STF que negou uma pensão à concubina, isto é, quando reconheceu que houve concomitância entre o casamento e a união estável (duas uniões paralelas), ocasião em que se decidiu não ser devida a pensão à convivente (RE 397762).      

Com informações do STF: www.stf.jus.br